domingo, 3 de março de 2013

Glauco César II





Glauco César II entrevista Leonardo Vila Nova

Quem é você?
Sou Leonardo Vila Nova, recifense, filho de Tereza Cristina e Almir Vila Nova. Sou jornalista por formação acadêmica, músico e poeta por amor e caminho inevitável da vida e vagabundo nas horas vagas. Um autêntico aquariano, com o ascendente em Leão e a Lua em Áries, uma combinação um tanto quanto difícil de lidar, bem indomável (risos).
Como se deu teu desenvolvimento na música? Chegou a fazer aulas? Cursos? És autodidata?
Nunca fui muito disciplinado com essa coisa do aprendizado sistemático da música. Já cheguei a fazer aulas de violão, por duas semanas, mas não tive paciência para continuar. Na verdade, eu sempre me lancei de forma muito intuitiva nesse universo. Portanto, posso me declarar um autodidata.
A lembrança mais antiga que tenho da minha relação com a música é que eu tinha um brinquedinho, quando muito criança… um tamborzinho de brinquedo. Já o despertar da sensibilidade através da apreciação musical se deu, inicialmente, por influência do meu pai. Ele tinha uma coleção imensa de discos em casa, onde você podia encontrar de um tudo: The Beatles, jazzistas (lembro-me bem dos discos de Count Basie, Duke Ellington, Sarah Vaughan), Bob Marley, Donna Summer, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Raul Seixas, Ângela Ro Ro, entre tantos outros (e diversos). Mas a predileção dele era pela música erudita. Ele costumava ouvir sempre à noite, baixinho, na sala. Esse hábito da apreciação musical cotidiana em casa é o que considero a minha raiz essencial, minha alfabetização.
Mas o que me fisgou, de fato, para que eu me interessasse pelo “fazer musical”, foi a música feita por Carlinhos Brown (e aconselho que as pessoas ouçam a produção musical dele, para fazer cair por terra os preconceitos que existem em torno desse artista). Foi a música dele que despertou em mim o interesse pela percussão, pelos batuques. Comecei a adquirir instrumentos – os primeiros foram um bongô e um berimbau –, e comprar discos em que os elementos percussivos tivessem um certo destaque. Eu colocava os discos pra tocar, ouvia atentamente e tentava reproduzir os ritmos.
E, como não podia ser diferente de todo adolescente que deseja ser músico, por volta dos meus 16 anos, entrei na minha primeira banda, com amigos do bairro/colégio. Uma banda que se chamaria Sistema Linear, mas acabou ganhando o nome de Hibridade. Tocávamos rock. E foi daí que fui incorporando outras coisas ao meu gosto musical, como o rock brasileiro dos anos 80 (muito por influência dos meninos). Foi observando-os tocarem suas guitarras que eu aprendi a tocar violão. Eu olhava e perguntava: “que acorde é esse?”, e ia aprendendo. Porém, no violão, sei apenas o básico.
Naturalmente, a partir dessa primeira experiência, o meu interesse e envolvimento com a música foi ganhando desdobramentos. Conheci novas pessoas, fiz parte de mais bandas. Concomitante a isso, atuava o meu lado antropofágico. Sempre fui muito curioso e compulsivo por consumir música, comprar e baixar discos, pesquisar, ler, me informar e me atualizar sobre o assunto. Sempre fui muitíssimo interessado em conhecer coisas, sem preconceitos. E, a cada descoberta, fui incorporando uma forma diferente de ouvir, sentir, compreender e fazer música. Desde os batuques de Brown, ao pop-rock camaleônico do David Bowie, ao deslumbramento e subversão mais criativa já feita na música brasileira, que foi a Tropicália, à música fantasticamente irrotulável de Björk, passando por artistas interessantíssimos como Beck, Devendra Banhart, Antony & The Johnsons, Moreno Veloso, Kassin, Cidadão Instigado, Portishead, Cibelle, Franz Ferdinand, e tantos outros que fazem parte da minha afetividade sonora.
Você falou que começou a “gostar dos batuques”. Você tem alguma relação religiosa com sua música, já que a percussão é tão ligada ao bater de tambor de cerimônias religiosas e o batuque também faz parte das religiões afro-brasileiras?
É uma coisa que, no meu caso, não sei explicar muito bem. É inevitável essa relação da percussão com os rituais religiosos de matriz africana. E a minha relação primeira (e principal) com o fazer musical é através do batuque, dos tambores, das peles. Só que o meu envolvimento com a música não passa, necessariamente/deliberadamente, pela influência da religião. Porém, é inegável que existem essas coisas de energia e vibração, que são inexplicáveis do ponto de vista racional e humano. Às vezes, realmente, não necessitam de explicação… apenas se sente e se vive. Isso é ritmo, vibração, energia.
Certa vez, uma amiga me fez um relato interessante, após assistir a um show meu, há cerca de 10 anos. Ela disse que viu um índio bem velho, sentado ao meu lado, tocando junto comigo, enquanto eu me apresentava. A existência desse “ser” foi confirmada pela minha avó, que é de orientação religiosa espiritualista. Ela me contou que foi ele quem me ensinou a tocar.
E aí é que está. São dessas coisas que a gente, sem nem saber, vive e na qual está profundamente mergulhado. Mas eu gostaria de complementar que, por mais que a atividade musical seja ligada a técnicas e orientações matemáticas, ela é, antes de qualquer coisa, arte. E isso é, essencialmente, sensibilidade e, por assim dizer, espiritualidade, uma vez que existe sim uma manifestação além da consciência, além do corpóreo. É uma ligação com outro tipo de sintonia, uma catarse, um estado de transe, por vezes. Algo que é transcendente, uma iluminação profunda naquele instante, uma inspiração em outros níveis, e a sensibilidade a serviço da inteligência emocional e da criação, da arte.
Quanto a técnica que você utiliza para tocar os instrumentos, aprendeu tudo por intuição? Observando outros músicos? Como se deu a parte técnica?
Não sou um músico muito técnico, não. Acredito até que podem considerar que isso seja uma deficiência minha (risos). Eu tenho o meu jeito de tocar meus instrumentos, que, acredito eu (nunca parei pra sistematizar nem auto-analisar isso), vem dessa minha capacidade de  observação profunda, dessa minha sensibilidade (a tal intuição) quando do meu contato com os instrumentos, do que eu sinto como um jeito meu de expressar, através daqueles instrumentos, o que quero fazer significar em forma de som.
Nunca houve técnica, no sentido de arregimentação teórica ou sistematização, no meu jeito de tocar, nem no meu aprendizado. É pura intuição mesmo. Uma linguagem que aprendi a desenvolver de forma bastante particular (e continuo em aprendizado), sem lições, cadernos ou pentagramas, mas sim através do exercício contínuo da observação e da curiosidade intuitiva, procurando aguçar os ouvidos, olhos, mente, alma e coração.
Você passou por muitas bandas recifenses, tanto como músico fixo, quanto com participações em disco, por exemplo… você lembra em quantas gravou e/ou tocou? E, se lembrar, pode falar um pouco sobre elas?
Vixe, foi muita coisa… (risos). Vamos lá, puxando pela memória… São 14 anos de música (12 profissionalmente), já passei por inúmeras empreitadas.
Comecei, como já disse, com a Hibridade, uma banda de rock de garagem, formada por jovens suburbanos, que faziam suas músicas de forma bem despretensiosa… Clichê, não? (risos)… eu tinha 16 anos de idade na época.
Depois veio a Amiaê, com alguns amigos do bairro do Cordeiro (que conheci por conta de outros brothers da época de colégio). Também uma banda de rock, mas com elementos da música mais tradicional… coco, xaxado, com mais elementos percussivos… ainda sob forte influência daquela tradicional verve do Manguebeat.
Em seguida, veio a Chocalhos e Badalos, com os amigos da faculdade Juliano Muta e Filipe Barros (Bande Dessinée), entre outros companheiros de música. Acho que esse foi um momento muito fértil. Pois nós, muito jovens à época (média de 19 anos), conseguimos empreender uma produção musical interessante, que flertava com duas pontas: a música de caráter mais pop universal e a música tradicional (o samba, o cavalo-marinho, a embolada.) Tivemos uma visibilidade local muito boa em dois anos de banda, com aparições em programas de rádio e televisão (incluindo o Jornal Hoje, em edição nacional) e eventos como o Festival de Inverno de Garanhuns (em 2003), e na Bienal da UNE (do mesmo ano).
Depois disso, passei por um projeto de duração mais curta, o Samba Delay (idealizado por Yuri Queiroga), que focava no samba-rock. Também fui músico da cantora e compositora Carolina Pinheiro, durante uma temporada de, aproximadamente, um ano. Paralelamente, fiz parte da banda Electrozion, que tinha como base a música eletrônica e o dub, acompanhado das levadas percussivas, vozes e guitarras. Algo bem arrojado, porém, também de vida curta.
Junto com os amigos Juliano Muta e Demóstenes ‘Macaco’ (Pouca Chinfra), fui um dos fundadores da banda Ínsula, uma das mais fantásticas experiências musicais que já tive, pela liberdade quanto à criação, pelo que o amadurecimento das ideias e vivências anteriores proporcionava em termos de certezas e seguranças de que é o caminho a se trilhar está aberto sempre a diversas possibilidades. Tudo era matéria-prima pras nossas criações, como dizíamos, uma música “sem conceitos e pré-conceitos”. Com a Ínsula, participei da trilha do documentário “Onde Estará e Norma?”, das jornalistas Bárbara Cristina, Patrícia Gomes e Jaqueline Granja, e da trilha do curta metragem “O Prenúncio”, do jornalista Adriano Portela.
Simultaneamente à atuação com a Ínsula, criamos um projeto chamado Inferninho Samba Orquestra, que tocou em algumas casas de show da cidade, com repertório baseado em sambas (e suas várias nuances), principalmente dos anos 60 e 70, além de algumas canções próprias.
Pouco tempo depois, se deu a minha entrada na banda Glauco e O Trem, projeto de beleza e delicadeza deste meu amigo entrevistador, que é música com arrojo instrumental e densidade poética, sem estilo pré-definido também. Livre e bonito…
Recentemente, fiz alguns shows com o Feiticeiro Julião. E estou, atualmente, na Dunas do Barato, concentrados na mixagem do EP da banda, que deve sair logo mais.
Além disso, colaborei (em gravações) com alguns outros trabalhos: o disco Fragmentes, da Comuna (na época, Experimental) e o disco Maldito (já com apenas o primeiro nome). Também gravei no primeiro EP da Bande Dessinée (na época, com a grafia antiga: Bande Ciné), no disco da banda Os Insites, no EP (nunca lançado oficialmente) da banda Jahovia, do projeto JMB em Comuna (combinação boa… Jomard Muniz de Britto + Comuna). Mais recentemente, participei em quatro faixas do disco “Desapego”, do companheiro de Dunas do Barato, o músico e compositor Juvenil Silva.
Fala um pouco do teu lado poeta. Você também é compositor? Têm músicas suas gravadas? Pensa em gravar um disco só com tua obra algum dia?
Eu escrevo muito mais poemas do que componho canções. Estou finalizando, inclusive, um trabalho de seleção de poemas (junto com meu amigo e irmão, o ator Jr. Aguiar), pra tentar uma publicação, em breve.
Na verdade, acho que pratico muito pouco o lado compositor de canções. Sou muito autocrítico com isso e não exponho muito essa persona. Tenho inúmeros fragmentos de canções pra serem concluídas, de melodias, de harmonias, de letras… Diversas coisas inacabadas, que precisam de mais atenção da minha parte.
E sei que preciso me dedicar mais a isso, me debruçar mais sobre essas criações e dar um caminho a elas. Penso, sim, um dia, em registrá-las (inclusive, já ouvi alguns estímulos quanto a isso), mas ainda não me programei para essa empreitada. Entretanto, tenho duas canções minhas registradas em gravações, ambas em parceria com o grande amigo Juliano Muta: “Mariposa” (do repertório da banda Chocalhos e Badalos) e “Roendo o Ócio” (da banda Ínsula).
Você também é jornalista, mas espera trabalhar só com música algum dia?
Qual músico responderia que “não”?
No início da nossa conversa você falou sobre os discos que você escutou na infância, citou a obra de Carlinhos Brown. Você poderia citar especificamente os percussionistas que você mais admira para o nosso leitor poder pesquisar e também conhecer e aprender?
Posso citar o próprio Brown, o fantástico músico indiano Trilok Gurtu, o Marcos Suzano (o monstro do pandeiro), Gilú Amaral (que manda ver nas congas da Orquestra Contemporânea de Olinda), Loop B (que faz um trabalho fantástico com sucatas), o baiano Orlando Costa e, sem dúvida alguma, um dos mais impressionantes músicos que já vi de perto, que é Lucas dos Prazeres, que, além de rodar o mundo com diversos artistas, criou a não menos impressionante Orquestra dos Prazeres, que deixa qualquer um de queixo caído.
Utilizas de objetos ou coisas parecidas como instrumento musical?
O universo percussivo é, musicalmente falando, o mais amplo em termos de possibilidades. Tudo pode se transformar em som, em música. A água, o corpo, uma enxada, uma caixa de fósforos, uma mangueira… o céu é o limite. Você tem à sua disposição o Planeta Terra e as invenções humanas para fazê-los se tornar música.
por Glauco César II.

Imagens:  Divulgação/Leonardo Vila Nova

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